O país já se move em modo de eleições presidenciais de 2022. As eleições municipais deste ano deverão ser meros lances táticos tendo em conta a estratégia de acumulação de forças para 2022.
As mudanças na política brasileira foram profundas na última década, acompanhando as tendências mundiais de fortalecimento da direita. A hegemonia da social democracia na política brasileira deu mostra de esgotamento após os governos FHC e Lula, quando foram produzidos bons resultados sociais. Mas a democracia, também aqui, foi colocada em questão devido ao baixo nível de suas entregas à sociedade, principalmente de serviços públicos de qualidade.
Os brasileiros estavam cansados da crise econômica, dos escândalos de corrupção e da insegurança pessoal e social. Bolsonaro obteve apoio de eleitores de diversas classes sociais, esperançosos de que o presidente iria impor a ordem, proteger os “cidadãos de bem” da delinquência, defender os valores da família tradicional e colocar fim aos escândalos da corrupção.
Segundo a professora Esther Solano, os eleitores de Bolsonaro tinham em comum um sentimento de rejeição da política. “É um voto de frustração, de cansaço e inclusive de desabafo contra a política. Representa aquela ideia de politização da antipolítica, que o Bolsonaro captou tão bem, transformando esse mal-estar e o descontentamento num grande capital eleitoral”.
É nesse contexto que Bolsonaro se elegeu presidente. Venceu no segundo turno com 55,13% dos votos válidos. Considerando o total de brasileiros aptos a votar, Bolsonaro obteve apoio de apenas quatro em cada dez eleitores, os outros seis se dispersaram entre Haddad, abstenções, brancos e nulos. Esse é o tamanho real da sua legítima vitória.
O eleitor típico de Bolsonaro, era masculino, com formação universitária, de classe social alta, morava na região Sul e era evangélico.
Colocando em curso as suas fragmentadas propostas, o governo esbarrou em imensas dificuldades de articulação política e de capacidade de governo. O grande projeto de “tremendo liberalismo” costurado pelo ministro Paulo Guedes, foi encontrando resistência dos outros poderes e da sociedade. O que foi feito, deveu-se muito mais ao protagonismo do Congresso, que das iniciativas do governo. A baixa qualidade do governo foi se revelando em resultados pífios e condução política desastrosa. Com uma oposição fraca, Bolsonaro foi se tornando o maior adversário de si mesmo. A epidemia de Covid-19 foi uma pá de cal na sua gestão, pelos seus custos humanos e econômicos. Bolsonaro agora deve administrar apenas a sua sobrevivência política até as eleições de 2022.
Pesquisa recente do Ibope (julho) mostra que seu apoiador típico ainda é muito parecido com o que o elegeu. É homem, mora na região Sul, tem meia idade, ensino fundamental, renda alta e é evangélico. Sua oposição típica é mulher, mora na região Sudeste, é jovem, tem ensino superior, renda média e é católica. A mudança perceptível, ao longo do mandato, foi a perda do eleitorado de formação superior. Possivelmente o negacionismo da ciência tenha lhe custado esse preço.
Mesmo lhe tendo sido arrancado a contragosto, o vale-vírus de R$ 600,00, lhe deu algum fôlego, enquanto durar. Ele quer transformá-lo, junto com vários outros benefícios, em Renda Brasil. Talvez isso possa acenar com avanços no seu eleitorado, principalmente na região Nordeste, que lhe é hostil, mas grande parte dos analistas preveem dificuldades financeiras para a sua implantação.
Assim, vamos caminhando para as eleições presidenciais de 2022, para a qual ele ainda é, no momento, o grande favorito, principalmente por falta de opções de opositores competitivos.
Ninguém sabe como isso terminará. Se o país for castigado com a sua reeleição, ele que já entregou a sua promessa de acabar com o horário de verão, talvez possa cumprir outras pendências, como o fim da urna-eletrônica, a substituição da tomada de três pinos, e a anulação do acordo ortográfico.
Fauto Matto Grosso
Engenheiro e professor aposentado da UFMS