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ARTIGO: TEMPO PARA RELETIR

TEMPO PARA RELETIR

Sempre fiquei com inveja das pessoas que tinham tempo para fazer tudo que desejavam. Eu, ao longo da vida, colecionei uma série de coisas que deixei pela metade. Nos tempos românticos, chegava a ter inveja de alguns presos políticos que, nessa condição, conseguiam ler O Capital por inteiro e sublinhado. 

Recentemente passei por um longo tempo de impedimento de saúde. Nessas circunstancias costumo trabalhar com baixo consumo de energia, vou desligando tudo que não é absolutamente necessário hibernando. Mas da televisão ninguém escapa. Quanta desgraça. O mundo e o Brasil envolvidos em seus problemas e impasses. A epidemia e a crise do sistema de saúde, a crescente exclusão social, o desemprego estrutural, a crise ambiental, os impasses da nossa economia. Perguntava-me o que faria eu se fosse o responsável por construir saídas. Nessas horas batia-me uma imensa modéstia, a única certeza que sobrava é a de que qualquer solução teria que envolver profundamente a sociedade, em um ambiente democrático. 

Na saúde, nossa crise imediata e mais grave, salta aos olhos a insuficiência do nosso sistema público, sem demérito de pessoas, médicos e todos os demais profissionais de saúde faziam o que podiam, mas as limitações sistêmicas se impunham. Convivi com essa situação de maneira privilegiada, mas ficava vendo na televisão a situação dos marginalizados, antigos e novos, em seus barracos sem saneamento, muitas vezes escondidos das balas e da violência infame e implacável. Além da natureza intrínseca dos problemas da saúde, foram se mostrando, a crueldade da corrupção com o dinheiro desse setor. 

A crise social, principalmente na área do emprego, eu a enxergava se agravando, não só pela questão direta da economia, mas também das mudanças tecnológicas, inclusive aceleradas pela pandemia. 

Este ano, tem sido considerado um dos piores por todos os indicadores de meio ambiente. Altas temperaturas, incêndios incontroláveis, enchentes, nossas calotas polares se descongelando como nunca visto. Paralelamente a isso via crescer a cegueira dos negacionistas, cada vez mais ganhando espaço no mundo. Assistia a isso pasmado de como a civilização se aproximava da barbárie.

Na economia brasileira via os impasses quanto à retomada do desenvolvimento e a imperiosa necessidade de construção de um sistema de proteção social. A pandemia havia exposto milhões de brasileiros que estavam invisíveis. Foi só anunciar um benefício de 600 reais que o Brasil real ia se tornando visível, brotando não só dos grotões, mas também dos interstícios da opulência e da ostentação.  

A coisa está feia. Não há mais tempo para apenas fazer a leitura da realidade. A vida traz de novo a necessidade ética de participar das transformações do mundo. 

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro e professor aposentado da UFMS

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