Fausto Matto Grosso

BOLSONARO, O SAPO E O ESCORPIÃO

Presidente Jair Bolsonaro discursa após cerimônia de posse do Ministro de Estado da Cidadania, Joao Roma, e do Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Onix Lorenzoni e sanção da Lei da Autonomia do Banco Central

A fábula é bastante conhecida.  Um escorpião pede a um sapo que o leve através de um rio. O sapo tem medo de ser picado durante a viagem, mas o escorpião argumenta que se picá-lo, os dois iriam se afogar. O sapo concorda e começa a carregar o escorpião, mas, no meio do caminho, o escorpião acaba por ferroar o sapo, condenando ambos à morte. Quando perguntado pelo sapo por que havia lhe picado, o escorpião respondeu que esta é a sua natureza e que nada poderia ser feito para mudar o destino.

Essa fábula tem sido lembrada a propósito da “Declaração à Nação” escrita pelo Presidente, sob a inspiração de Michel Temer, após o desastroso discurso feito em sete de setembro na Avenida Paulista. Do alto do palanque, Bolsonaro havia esbravejado que não iria mais cumprir as decisões do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Com tal declaração o Presidente habilitou-se ao impeachment e teve que recuar de maneira humilhante para escapar de cassação. Foi salvo por Michel Temer com uma carta elegante de perfil intelectual e político muito acima da linguagem rastaquera da caserna conhecida por Bolsonaro.

Mas, mesmo antes da publicação da sua carta de desculpas, Bolsonaro já ultrajou os seus propósitos inserindo o rodapé “Deus, Pátria e Família”, numa regressão ultranacionalista, corporativista, conservadora, tradicionalista católica e de extrema-direita que nos leva a uma réplica do fascismo brasileiro dos anos 1930 do século passado. Foi uma primeira picada, em Michel Temer, que o ajudara a safar-se da encrenca onde se metera. 

A segunda estocada foi no Ministro Barroso a respeito da questão já vencida das urnas eletrônicas. “As urnas são penetráveis, as pessoas podem penetrar nelas”, disse em insinuações de cunho homofóbico sobre o presidente do TSE. Foi a pá de cal na credibilidade do Presidente quanto ao compromisso com a carta recém-publicada.

O Presidente está cada vez mais isolado; recentes pesquisas apontam que ele perderia a eleição em 2022 para todos os seus contendores. De um obscuro deputado de sete mandatos, caminha para passar para a história como o pior presidente que o país já teve. Seu destino está preso por um fio ao pouco confiável Centrão, cujas dependências frequentou como parlamentar durante 27 anos de mandato.

A crise vivida pelo país contribui para aprofundar o seu isolamento. A estagnação e a inflação, o preço dos combustíveis e dos serviços públicos, a crise social decorrente do desemprego e da fome, a já anunciada crise de energia e de abastecimento e o isolamento internacional decorrente da política ambiental são marcas da nossa realidade. A CPI da COVID-19 avança desnudando o negacionismo, o crime contra a humanidade, a incompetência gerencial, a corrupção e até, coisa nunca vista, a venda de cargos públicos por lobistas de quinta categoria. Enquanto isso o Presidente não trabalha, vive de criar crises institucionais que ameaçam a democracia e aprofundam o seu isolamento. Fera ferida, ainda pode encontrar energias, cada vez mais escassas, para a sua resistência, mas agora já desarmada. 

Fato auspicioso vem da criação de uma ampla frente partidária que envolve partidos de centro, de esquerda e de direita que se unem para ações conjuntas pelo impeachment. As manifestações de rua, já marcadas para os dias 2 de outubro e 15 de novembro, serão uma medida da força dessa articulação, que pode vir a viabilizar o impedimento do Presidente. Pesquisas recentes de opinião pública já indicam que hoje 56% dos brasileiros querem o seu afastamento. 

Enfim, no último sete de setembro, Bolsonaro apostou alto, desafiou a democracia brasileira e suas instituições e perdeu. Entre a independência e a morte, optou pela última. Resta esperar que se cumpra sua sina de escorpião.

FAUSTO MATTO GROSSO, Engenheiro e professor aposentado da UFMS, da coordenação da Frente Ampla pela Democracia.

Deixar um comentário