Por Bento Adriano Monteiro Duailibi
Advogado, Professor Universitário, Pós Graduado em Direito Civil e Metodologia do Ensino Superior, Membro da Academia Maçônica de Letras de MS.
Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, o nosso país recebeu a Constituição mais cidadã de toda sua história, naquele 05 de outubro, o saudoso Deputado Ulysses Guimarães, levantou o texto, com galhardia, e não pude deixar de prestar a atenção em sua assertiva: “que não era (estava) perfeita, mas era o resultado a vontade do povo”. Ainda jovem cursando o primeiro ano do curso de Direito, era comentário geral nos corredores da Faculdade, que estávamos inaugurando uma nova era da história das nossa República.
Os professores quase em sua totalidade depositavam grande esperança no novo texto Constitucional, explicavam com entusiasmo, os pontos importantes e de grande mudança e as questões políticas que envolviam esta nova “Carta Magna”. Foi realmente um momento único na recente história do nosso País.
Um ponto que chamou muito a atenção, foi o tema “Liberdade de Expressão”, foi objeto de grande avanço para uma sociedade que teve durante algum tempo, um filtro em tudo que era exposto, falado, escrito, em fim tudo que a sociedade iria ter acesso através dos meios de comunicação.
O direito de liberdade de expressão, consagrado no Inc. IV do Art. 5º da Constituição Federal, passava então ao patamar de direito fundamental, que se mostra como corolário da dignidade da pessoa humana, representando, de outra parte, fundamento necessário à sobrevivência do Estado. Tem-se, desse modo, que a “Liberdade de Expressão” constitui-se em um direito fundamental.
De outra norte, a existência e sobrevivência do Estado está adstrita ao desenvolvimento intelectual de seu povo (tema que já tivemos a oportunidade de falar, no artigo “A Ausência de Leitura – Consequências para a Sociedade”, que depende diretamente da livre troca de ideias.
E mais, a qualidade dessas ideias é diretamente proporcional à maior “liberdade de expressão possível”, de modo a que o arejamento das várias visões de mundo possa redundar em padrões de comportamento mais sofisticados, na medida em que a coerência dos argumentos são testados no “livre campo das ideias”.
Garantir e promover a liberdade de expressão, portanto, é uma das razões pelas quais deverá se fundamentar o Estado em sua acepção ontológica, sob pena de se desvirtuar em sua finalidade última e principal.
Porém cabe indagar se é justificável a intromissão na vida privada de alguém quando houver uma relevância pública na notícia que expõe aquele indivíduo? O que temos como verdade é saber que “interesse público” não se confunde com o “interesse do público”.
É da natureza do ser humano querer se comunicar, se expressar, se mostrar aos demais, até porque somos seres que vivemos em sociedade e temos que nos relacionar com outros, ou seja, precisamos do contato verdadeiro para a nossa própria realização. Ocorre que nessa troca, algumas vezes parece que ultrapassamos alguns limites e acabamos nos afirmando por cima dos outros, ou mesmo deixamos de levar em consideração as outras pessoas.
A tal atitude, por vezes, em nome de certa liberdade de expressão, podemos acabar ferindo muitos. É preciso tomar muito cuidado com isso.
Existe um ditado popular que diz mais ou menos assim: “A minha liberdade termina onde começa a do outro”. Pensando um pouco, tenho que dizer que concordo de forma parcial. Porque sinto que hoje em dia essa necessidade de “respeitar” o outro em tudo é, muitas vezes, o que permite algumas distorções na noção de liberdade de expressão e do próprio respeito.
E aqui cabe indagar de forma direta: pode a liberdade de expressão ser mais forte do que o direito a não ser ofendido? Pode um direito incluir ou excluir categorias de pessoas? Como dito, a liberdade de expressão figura entre as liberdades constitucionais mais comumente asseguradas e consiste, basicamente, no direito de comunicar-se.
Porém, esse direito não pode ser confundido com “direito à ofensa”. A Carta Magna deixa bem claro que a liberdade de expressão serve para proteger a manifestação do pensamento, a atividade artística, intelectual, científica e todo o debate essencial para a construção de um Estado democrático, e por consequência exclui qualquer manifestação lesiva.
O ato de ofender alguém resulta no comportamento agressivo, ou seja, uma ofensa verbal que não se encontra dentro do âmbito de proteção da liberdade de expressão.
Com frequência se observa que as regras éticas e morais não são obedecidas, e aqui cabe ressaltar que isso ocorre especialmente na internet, isso porque a ausência de contato físico e de controle (fiscalização), dá coragem àquele que tem a intenção de praticar uma ofensa, gerando, com isso, um incentivo à ilegalidade, a falta de respeito e depois tenta justificar o ato como sendo: “liberdade de expressão”. No entanto, aquele que pratica crime contra a honra, mesmo sendo um ambiente virtual, estará sujeito à responsabilização penal.
Todo aquele que que publica ou compartilha informações desonrosas sobre alguém, atinge a dignidade, a respeitabilidade ou o decoro de alguém por meio de mensagens em redes sociais, ou faz acusação falsa, pode estar cometendo crime contra a honra e, mesmo em ambiente virtual, estará sujeito às sanções previstas na lei penal brasileira.
A proteção à honra, tem suporte jurídico na legislação civil também, a princípio, diante de ofensas à honra, verifica-se a possibilidade de indenização por dano moral. A responsabilidade civil dispensa a prática de crime, pois qualquer manifestação que cause ofensa ao conceito de alguém, ainda que praticada por meio eletrônico, ensejará, da mesma forma, um dano moral, sendo suficiente a demonstração da ofensa.
Considerando que o bem da honra, por sua própria natureza, é interior e inerente ao homem, é certo afirmar que a honra possui também um nexo com o mundo exterior, social. Isso porque a honra é formada por meio de circunstâncias do mundo exterior.
Nesse norte, os atentados e violações contra a honra também podem acarretar prejuízos econômicos diretos, por abalar muitas vezes o conceito social do ofendido e causar, por via de consequência, limitações às possibilidades de trabalho ou a realização de negócios por parte do indivíduo. Assim é preciso observar com acuidade esse limite entre liberdade de expressão e ofensa, falta de respeito.
Não são raros os casos em que em nome da “liberdade de expressão” a vida, a carreira e até a família de uma pessoa é totalmente abalada, e ao final não se verifica com verdadeira aquilo que foi exposto, e em casos extremos os danos são irreversíveis.
Não vejo como salutar, fatos como de uma pessoa que defecou em praça pública em cima de um cartaz que expunha o rosto de um candidato a Presidente da República na eleição passada, ou ainda a performance teatral em que uma criança teve contato com uma pessoa adulta completamente nua. E tudo isso em nome da “Liberdade de Expressão”.
Portanto não se pode ficar longe do equilíbrio entre a liberdade de expressão e a falta de respeito, e em nome daquela expor, ofender, criar fatos, tirar conclusões, e até mesmo lanças dúvidas sobre a integridade e caráter de alguém. Esse limite depende de quem utiliza a liberdade de expressão, esta não precisa ser ofensiva, não precisa ser chamativa, basta que expresse a ideia, a tese a ser defendida.
O abuso, a falta de compostura, a falta de caráter tem que ser punido, a sociedade não pode aceitar que a “liberdade de expressão”, direito consagrado na Constituição Federal se torne uma “libertinagem de expressão”. Isso tem que ser coibido e reprimido por todos, e ser for o caso punido exemplarmente.
Bento Adriano Monteiro Duailibi
Advogado, Professor Universitário,
Pós Graduado em Direito Civil e Metodologia do Ensino Superior,
Membro da Academia Maçônica de Letras de MS.