Todos os estudos realizados que carregam como preocupação sua vinculação com a realidade concreta e circunstancial em eu vivemos, como reflexão aprofundada e critica sobre o Direito, em todas as suas dimensões, têm um papel importante no processo do desenvolvimento no Brasil. A abordagem do direito é, em geral estática, parcial e paralisante. Isto porque se vê o direito como um sistema fechado, perfeito, sem lacunas e sem contradições e ainda porque só se consideram, no amplo campo do direito, as normas jurídicas estatuídas pelo Estado, limitando assim o campo do direito a um “Direito Legal” E por último, porque atribui o direito e aos juristas um função conservadora da ordem oficial preestabelecida. É essa mudança de abordagem, que devemos nos atentar. E, pelo que se observa das sociedades atuais, devemos começar a pensar em substitui-la por uma abordagem mais dinâmica e progressista do DIREITO.
Desde o legislador Sólon, na Grécia antiga, cuidava-se da profissão do advogado e, esta por ser muito nobre, se avantajava às outras pela sua independência. Entre os romanos eram ordinariamente os advogados os que proviam os mais nobres empregos do império. Em Atenas eles dispunham de negócios públicos, e não se executava senão o que a eles parecia justo. Na França tiveram o voto deliberativo no Parlamento sobre os novos regulamentos que se formavam, as mais ilustres famílias togadas derivam a glória de sua origem da Ordem dos Advogados. No Brasil, com o advento das Ordenações Alfonsinas, bem como das Manuelinas, foi prevista a atividade da advocacia somente aos que tivessem cursado Direito Civil ou Canônico durante o período de oito anos na Universidade de Coimbra, submetendo aos infratores penas severas se não observadas tais regras e por ultimo normas previstas pelas Ordenações Filipinas.
A advocacia não é penas uma profissão, é também um “múnus”, é um dos elementos da administração democrática da Justiça. Por isso sempre merece ódio e ameaça dos poderosos. Frederico, o Grande, que sempre chamava os advogados de sanguessugas e venenosos répteis, prometia enforcar sem piedade nem contemplação de qualquer espécie aquele advogado que viesse a pedir graça ou indulto para um soldado, enquanto Napoleão ameaçava corta a língua de todo advogado que a utilizasse contra o Governo. Bem sabem os ditadores os reais potenciais que os advogados possuem, vistos que são a “antena da justiça”, e esta vice sempre do lado contrário de onde se situa o autoritarismo.
Diante de tais fatos históricos, verifica-se que o advogado não adquiriu o “status” de indispensável à administração da justiça apenas e tão somente após a promulgação da Carta Magna de 1988. Sua participação tornou-se essencial, a partir do momento em que houve os reclamos das partes em extrair as pretensões asseguradas pelo Ordenamento Juridico, incumbindo a ele a escolha das vias judiciais apropriadas, colaborando, assim sobremaneira com o aprimoramento das instituições.
Os problemas brasileiros possuem realidade própria e exigem soluções e métodos de estudo adequados a ela. Não podemos estudar nosso processo de desenvolvimento econômico e social empregando os esquemas europeus ou norte-americanos. Evidentemente, não se trata de rejeitar a contribuição técnica, cientifica ou filosófica de procedência externa, mas sim de evitar recebê-la sem espírito crítico.
Essa superação da dependência cultural e a elaboração de um pensamento próprio sobre nossos verdadeiros problemas e soluções são exigências fundamentais do desenvolvimento, pois este depende da capacidade de cada país para tomar as decisões que a situação requer. E aqui evidencia-se o papel da filosofia, como reflexão critica e em profundidade sobre os diversos setores de nossa vida cultural.
Não se trata evidentemente de desprezar os estudos, as reflexões e os conhecimentos elaborados em quaisquer épocas ou em qualquer parte do mundo. Em todo problema há aspectos universais e reflexões cuja a validade não está limitada por fronteiras, mas questões concretas apresentam sempre uma caracterização diferenciada e própria. E, se a sabedoria deve voltar-se para a vida real e esclarecê-la, não podemos nos contentar com a repetição de princípios e reflexões divorciados da realidade concreta ou elaborados em função de situações que não são nossas, e como diz Ortega y Gasset (apud Siches, 1936, p. 472); “ não vimos a vida para dedicá-la ao exercício intelectual, mas, vice- versa, porque estamos – querendo ou não – metidos na faina de viver, temos que exercitar nosso intelecto, pensar, ter ideias sobre o que nos rodeiam, mas tê-las de verdade, isto é ter as nossas”
Segundo Franco Montoro: “evidentemente, não se trata de rejeitar a contribuição técnica, científica ou filosófica externa, mas sim evitar recebe-la sem espírito crítico e elaboração própria. O que se impõe é recusar o puro transplante e realizar um esforço de reflexão em profundidade sobre as implicações socioculturais das doutrinas, concepções, hábitos processos e métodos de qualquer origem e principalmente, sem desprezar as contribuição cultural externa, levar a efeito um trabalho de elaboração própria e reflexão crítica sobre nossos problemas e realidades” (Montoro, 1995, p.25).
Esse trabalho só pode ser feito por brasileiros ou por aqueles que, integrados em nosso meio, tenham a vivência e a consciência de nossos problemas, sendo essa reflexão crítica uma das grandes tarefas da Filosofia de nossos dias. Essa é a principal responsabilidade dos que se disponham a contribuir para o desenvolvimento do país, no plano difícil, porém fundamental, na construção de uma cultura não só jurídica, mas, de maneira geral, essencialmente brasileira com métodos próprios.
Nenhum aspecto de nossos sistemas jurídicos modernos é imune à crítica. Cada vez mais se pergunta-se como, a que preço e em beneficio de quem esses sistemas de fato funcionam, essa indagação fundamental que produz inquietação em muitos juristas, advogados, juízes torna-se tanto mais perturbadora em razão de uma invasão sem precedentes dos tradicionais domínios do Direito por sociólogos, antropólogos, economistas, cientistas políticos, psicólogos, entre outros.
Segundo Mauro Cappelletti, “não devemos, no entanto, resistir a nossos invasores; ao contrário devemos respeitar seus posicionamentos e enfoques e reagir a eles de forma criativa. Através da revelação atual do modo de funcionamento de nossos sistemas jurídicos os críticos oriundos das outras ciências sociais podem na realidade ser nossos aliados na atual fase de uma longa batalha a luta pela justiça, modificando métodos e adequando realidade, entre outros, luta esta que reflete novos tempos dos modernos sistemas jurídicos – Cappelletti, 1988, p. 8”
Isto realmente é muito difícil, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico, através do qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro o sistema de ser igualmente acessível a todos. Segundo; deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.
A operacionalização de reformas cuidadosas, atentas aos perigos envolvidos com plena consciência dos limites e potencialidades dos tribunais regulares, do procedimento comum é o que realmente se pretende. A finalidade não é fazer uma justiça mais pobre, mas torná-la acessível a todos, inclusive aos menos favorecidos. E se é verdade que a igualdade de todos perante a lei (igualdade efetiva e não formal) é o ideal básico da virada do milênio, este enfoque só poderá conduzir a um produto juridico de maior qualidade do que dispomos atualmente.
A atuação do Estado deve desenvolver-se com a máxima eficiência e mínimo custo possível. Para tanto é imperioso que os agentes públicos estejam imbuídos da convicção de que devem cuidar de assuntos públicos com o mesmo zelo que empregam na administração de seus próprios interesses. Embora de grande relevância, só isso não é suficiente para atingir elevados objetivos. Paralelamente, a exigência de capacitação de pessoal, bem como a adoção de adequados métodos de trabalho, sem negligenciar a ideia – força de que o Estado é o meio e não o fim ou seja que o destinatário de sua ação não é, e nem pode ser, ele próprio, ou seus agentes, mas sim a sociedade.
O planejamento, pois, que é como se viu de emprego legalmente obrigatório, tem um efeito relevante imediato, que é a negação de improvisação, cuja a prática deve ser banida de vez dos costumes administrativos do Judiciário para dar lugar à racionalização que conduz a eficiência na prestação do serviço judicial. Inaceitável se mostra doravante, ainda mais tendo em conta o alvorecer do novo século e mesmo do milênio, a precariedade das soluções improvisadas, ou tomadas ao impulso do administrador do momento, ao sabor de circunstâncias ocasionais.
De acordo com Nelson Schiesari, a questão vem à baila pela observação de que os dirigentes do Poder Judiciário, nacional ou local, se apresentam muitas vezes à sucessão de mãos vazias, isto é, sem um projeto de ação factível, ou, quanto menos um punhado de ideias que hão de inspirar a sua futura gestão, dai decorre que sua ação no curto prazo, como é mandato dos dirigentes deste poder que é de dois anos, e pensar num “projeto” para dois anos é quase nada (Shiesari, 1997, pag.185)
A adoção concreta de princípios do planejamento (a curto, a médio e alongo prazos) emprestaria maior transparência ao Poder Judiciário e, daria maior confiança ao sistema como um todo, o que não ocorre hoje com toda certeza, afinal o que mais interessa é o objetivo da existência do Poder Judiciário e consequentemente do Direito em si que é atender a sociedade com respostas rápidas, segura e sem qualquer influência, de forma transparente.
O que se afirma em suma é que a opção de uma visão prospectiva da realidade judiciária é uma exigência de modernidade, com mudanças de alguns métodos arcaicos, é um desafio imediato.
Sem discutir outros aspectos do problema, não podemos deixar de fazer referência a um instrumento de trabalho que talvez venha desempenhar função da maior importância na atividade judiciária do futuro ou seja a relação da informática e do direito.
As maquinas eletrônicas (computadores e outros), a serviço do homem e da sociedade penetram rapidamente em todos os setores da vida social. No campo do direito, essa estrutura começa a dar os primeiros passos, mas já se pode vislumbrar o volume a frequência e a importância de sua atuação.
Há quem pense, sobre a informática, ser um competidor perigoso, e alguns veem no seu emprego a destruição do dos aspectos humanos, éticos e valorativos que constituem e própria essência do Direito.
Ressaltando ainda Franco Montoro, é preciso evitar duas posições radicais e adversas, que são igualmente falsas: a dos que não admitem qualquer colaboração das maquinas no campo do Direito e a dos que imaginam que as máquinas cibernéticas virão a substituir totalmente o trabalho do operador do Direito em um futuro próximo (Montoro, 1995, p. 96)
Não há possibilidade para isso, pois, de um lado, a cibernética já começou a prestar de fato (e em todo mundo) bons serviços e colaboração ao trabalho dos operadores do Direito (advogados, juízes, promotores, entre outros), e de outro, torna-se cada dai mais patente que a eletrônica é apenas um instrumento mais aperfeiçoado a serviço do homem e da sociedade, com capacidade de influir poderosamente na quantidade e na qualidade do seu trabalho, mas sem qualquer possibilidade de substituí-lo nas atividades de reflexão e julgamento.
Por tudo isso é que o pesquisador, o estudante e o operador do Direito, não podem, hoje, deixar de ter algumas indicações sobre essa nova dimensão de sua futura atividade. E sem se preocupar com a evolução cibernética com a chegada do novo milênio, pois como já dissemos, a capacidade de julgamento, com a formulação de conceitos e análises dos fatos com sensibilidade necessária para a intensidade da aplicação do Direito, é somente do homem.
A mídia em termos tradicionais, sempre esteve próxima do poder, presença visual, imagem e telegenicidade são elementos fundamentais no repertório político. Lógica e discurso politico sempre seguiram padrões e cronograma da mídia.
O mais notável é que se antes a mídia estava próxima ao poder, atualmente em alguma medida ela é o poder, confunde-se com ele, pois trabalham com dado tão relevante quanto pouco valorizado, de que no plano sociológico só existem três formas de poder: o de punir, o de premiar e o de condicionar.
A questão mais relevante, contudo, não está na falsidade das informações ou no pouco apreço pela busca, por meios eficientes, da verdade, está na manipulação de dados, em princípio, verdadeiros, utilizando-se, para sua divulgação de linguagem repetidamente monológica, emocional e persuasiva, trocando-se deliberadamente o significado final da informação de forma a inculcar elementos de manutenção/transformação relativamente inconscientes, ou pouco reflexivos, na população.
As técnicas de publicidade, incorporadas à linguagem geral da mídia, promovem um processo de alienação e além disso subvertem o referencial ético das distintas comunidades destinatárias. Em nosso país propõem-se ao interior do Acre, de Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Sul, por exemplo um único paradigma de costumes e vivência moral. Tais técnicas de abordagem quando voltadas à publicidade comercial, já lograram o inacreditável feito de transformar jovens em garotos propagandas de grandes empresas, para que os demais adquiram tênis e camisetas tão mais caros quanto maior seja a visualização da identidade da grifes da moda.
O resultado produzido é uma disfunção na criminalidade, pois jovens roubam jovens para subtrair-lhes não o que tem de mais valor, mas o boné ou o tênis, desde que contenham estampas de grifes da moda.
Diante de tudo isso e de tão complexo sistema estão os operadores do Direito e o próprio Direito ainda a lidar com valores como a liberdade de imprensa da mesma forma como faziam há décadas, tornando-se nula a presença do Direito nesse campo. O impedimento de circulação de alguma informação, ainda que nociva ou não verdadeira e até mesmo criminosa, é vista como censura. Diz-nos Claudio Baldino Maciel, em praticamente todas as experiências nessas áreas, limita-se o judiciário a atuar como preparador de danos morais, sem impedir que o dano ocorra, que a violência se efetive, que o desastre se consume (Maciel, 1998, p. 112).
É preciso supor que, ante o novo milênio, deve-se aprofundar o debate sobre maior inserção do Direito como sustentáculo da democracia, em tão polêmica e instigante área da sociedade, e para isso é necessário o estudo de novos métodos e novos mecanismos para regulamentar, estruturar, esta situação sem ferir ou sucumbir o Direito de ninguém.
Bento Adriano Monteiro Duailibi
Advogado, Professor Universitário,
Pós Graduado em Direito Civil e Metodologia do Ensino Superior,
Membro da Academia Maçônica de Letras de MS.