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Moro interferiu nas delações, diz The Intercept e Folha

Mais uma da série de reportagens do site de jornalismo investigativo em parceria com a Folha de São Paulo trás a tona que o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro teria interferido ilegalmente nas delações de dois executivos da empreiteira Camargo Corrêa. 

De acordo com a reportagem, em mensagens de 2015, Moro informou aos procuradores da força tarefa da Lava Jato que só aceitaria as delações se as penas dos réus em questão fossem de pelo menos um ano em regime fechado. Tal situação ultrapassaria o limite legal impostos pela Lei das Organizações Criminosas, de 2013, pois os juizes devem ficar distantes das negociações das delações e somente cumprir o papel de verificar a legalidade do acordo

Os diálogos revelam também que a interferência do juiz causou incômodo entre os integrantes da força-tarefa à frente do caso em Curitiba.

Na avaliação de Carlos Fernando, o mais importante naquele momento era que as informações obtidas com os delatores da Camargo Corrêa abririam frentes de investigação novas e promissoras, e isso justificava a proposta de redução das penas previstas para seus crimes. 

Embora a lei garanta ao Ministério Público autonomia para negociar, Deltan achava arriscado desprezar a opinião de Moro e queria que o colega desse mais atenção ao juiz. 

No dia 25, o chefe da força-tarefa voltou a manifestar sua preocupação.

“Vc quer fazer os acordos da Camargo mesmo com pena de que o Moro discorde?”, perguntou a Carlos Fernando. 

“Acho perigoso pro relacionamento fazer sem ir FALAR com ele, o que não significa que seguiremos.”

A opinião de Moro foi respeitada. Com a assinatura dos acordos, dois dias depois, ficou acertado que os dois executivos da Camargo Corrêa, Dalton Avancini e Eduardo Leite sairiam da cadeia com tornozeleiras e ficariam mais um ano trancados em casa.

Os delatores deram informações sobre o cartel organizado pelas empreiteiras para fraudar licitações da Petrobras, admitiram o pagamento de propina a políticos e dirigentes da estatal e revelaram desvios na construção da usina nuclear Angra 3 e em outras obras do setor elétrico.

Foi a primeira vez que executivos de uma das maiores empreiteiras do país admitiram a prática de corrupção, abrindo caminho para que outros fizessem o mesmo nos meses seguintes. 

A Camargo Corrêa também foi a primeira das grandes empreiteiras a assinar um acordo de leniência com os procuradores, em agosto de 2015. A empresa se comprometeu a pagar multa de R$ 700 milhões para se livrar de ações judiciais e poder voltar a fazer negócios com o setor público.

Para dois advogados que acompanharam as negociações com a Camargo Corrêa e seus executivos nessa época, não há dúvida de que Moro ignorou os limites da lei ao impor pena mínima como condição para homologar os acordos dos delatores e, depois, ao questionar o conteúdo dos depoimentos de Avancini.

Os advogados consultados pela Folha disseram que dificilmente os executivos da Camargo Corrêa teriam aceitado cooperar com a Lava Jato sem ter alguma garantia de que os acordos receberiam o aval do juiz, segurança que só foi possível obter com as conversas que os procuradores tiveram com Moro durante as negociações.

Em julho de 2015, Moro condenou Avancini e Leite pelos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro, num processo que tratava da corrupção na Petrobras. Na sentença, reconheceu a relevância das informações fornecidas pelos delatores e aplicou as penas acertadas pelo Ministério Público com eles.

Seis meses depois, quando um terceiro executivo da Camargo Corrêa, João Ricardo Auler, fechou acordo de delação premiada e era preciso decidir em que instância ele seria submetido a homologação, Deltan consultou Moro.

“Vejo vantagens pragmáticas de homologar por aqui, mas não quisemos avançar sem sua concordância”, disse o procurador.

Moro respondeu que era indiferente à questão, mas queria saber os termos do acordo com o empreiteiro mesmo assim. “Para mim tanto faz aonde. Mas quais foram as condicoes e ganhos?”, perguntou ao chefe da força-tarefa no Telegram. “Vou checar e eu ou alguém informa”, respondeu Deltan.

Dalton Avancini e Eduardo Leite foram condenados por Moro a 16 anos e 4 meses de prisão. Graças aos benefícios obtidos com a delação, cumpriram um ano de prisão domiciliar em regime fechado e mais dois em regime semiaberto, com recolhimento obrigatório à noite e nos finais de semana.

OUTRO LADO

O ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmou que não participou das negociações de nenhum acordo de colaboração premiada na época em que foi o juiz responsável pelos processos da Operação Lava Jato no Paraná, de 2014 a 2018.

“Enquanto juiz, não houve participação na negociação de qualquer acordo de colaboração”, diz nota enviada por sua assessoria para comentar as mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil que apontam sua interferência nas negociações com executivos da Camargo Corrêa, em 2015.

“Cabe ao juiz, pela lei, homologar ou não acordos de colaboração”, acrescenta a nota. “Pela lei, o juiz pode recusar homologação a acordos que não se justifiquem, sendo possível considerar a desproporcionalidade entre colaboração e benefícios.”

O ministro mencionou, “como exemplo histórico”, o caso do gangster americano Al Capone (1899-1947), que teve um acordo rejeitado por um juiz de Chicago em 1931.No Brasil, a lei 12.850, de 2013, define como papel do juiz após a assinatura dos acordos de colaboração “verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade”. Não há menção na lei à análise sugerida por Moro como condição para homologação das delações.

A lei prevê que as informações fornecidas pelos colaboradores e os benefícios oferecidos em troca de sua cooperação sejam avaliados pelo juiz na sentença, ao final do processo judicial, depois de terem sido submetidos a questionamentos da defesa dos acusados pelos delatores.

Moro afirmou que não reconhece a autenticidade do material obtido pelo Intercept, como vem fazendo desde a publicação das primeiras reportagens sobre mensagens trocadas pelos procuradores da Lava Jato, no início de junho. Ele não apontou indícios de adulteração nos diálogos, porém.

Ao interpretar as mensagens analisadas pela Folha e pelo Intercept, o ministro afirmou que “os procuradores referem-se a decisões judiciais expressas, inclusive em termos de audiência, que exigiram esclarecimentos, ajustes ou maior rigor penal para homologação de acordos”.

“Ressalta-se que não há ilegalidade ou imoralidade nas decisões judiciais, que estão nos autos processuais, repudiando-se nova tentativa de, mediante sensacionalismo e violação criminosa da privacidade, atacar a correção dos esforços anticorrupção da Operação Lava Jato”, diz a nota do ministro.

Informada sobre o conteúdo das mensagens examinadas pela Folha e pelo Intercept, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba afirmou que não se manifestaria sobre o assunto sem ver os diálogos, mas reiterou que não reconhece a autenticidade do material. 

“A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes”, disse, por meio de nota. “O material é oriundo de crime cibernético e não pode ter seu contexto e veracidade confirmados.”

As defesas dos ex-diretores da Camargo Corrêa que fecharam acordos de colaboração premiada com a Lava Jato, Dalton Avancini, Eduardo Leite e João Ricardo Auler, e do ex-gerente da Petrobras Eduardo Costa Vaz Musa, também não quiseram se manifestar sobre os diálogos.

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