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O silêncio como resposta e a erosão do pacto com a sociedade

Em política, não é só o que se faz — é o que se comunica. E não é só o que se comunica — é o que se deixa de comunicar.

A crise recente envolvendo fraudes bilionárias no INSS oferece uma lição direta e desconfortável: a omissão institucional não é apenas administrativa, é simbólica.

Quando a imprensa revelou que o Ministério da Previdência Social já tinha conhecimento de indícios de desvios milionários meses antes da operação da Polícia Federal, o estrago já estava feito. Não apenas pelo montante — mais de R$ 6 bilhões desviados de aposentadorias e pensões —, mas pela inação pública de quem deveria ter se antecipado à indignação popular.

O ministro Carlos Lupi, veterano no jogo político, optou por não agir publicamente. E aí está o ponto nevrálgico da questão: a ausência de resposta comunicacional estruturada foi tão grave quanto o escândalo administrativo em si.

Quando a crise explode e o governo assiste

A população — especialmente os mais velhos, os trabalhadores formais, os pequenos empreendedores que contribuem religiosamente para o INSS — recebeu a notícia como um soco. Em silêncio, o governo deixou que o imaginário coletivo formulasse sua própria conclusão: “Eles sabiam e não fizeram nada.”

Nenhuma entrevista coletiva. Nenhuma fala do ministro. Nenhuma prestação de contas à sociedade. Nem um gesto simbólico de explicar que o governo está do lado certo da história.

A falta de comunicação adequada com a sociedade gerou ruídos que nem mesmo uma reação posterior conseguiria dissipar. E em política, quem abandona o espaço da narrativa entrega o palco ao adversário.

O resultado foi previsível: desgaste da imagem presidencial, pressão parlamentar por CPIs, mobilização nas redes sociais e uma nova rodada de descrédito público. Com apenas 24% de aprovação, segundo o Datafolha, o presidente Lula entra em 2025 num campo minado, com o governo pressionado por dentro e por fora.

O simbolismo da omissão

Carlos Lupi teve a oportunidade de ser o gestor que enfrentou a crise de frente. Poderia ter convocado a imprensa, solicitado investigação à CGU, afastado servidores envolvidos, e voluntariamente se colocado à disposição do Congresso. Em vez disso, optou pelo que a sociedade mais teme na política: o silêncio conveniente.

E o silêncio, quando vem de cima, se transforma em ruído de cumplicidade.

O episódio do INSS é só mais uma peça no tabuleiro instável que se desenha rumo às eleições de 2026. E aqui se somam outras dificuldades:

  • Um cenário econômico tenso, com inflação de alimentos, instabilidade no câmbio e desconfiança de parte do setor produtivo;
  • Tensão federativa, com governadores de oposição — especialmente São Paulo e Goiás — operando suas pré-candidaturas com discurso moralizador e promessas de eficiência;
  • Uma sociedade digitalizada, hiper conectada e cada vez mais impaciente com explicações tardias;
  • E o avanço de figuras alternativas no campo da direita e do populismo digital, como Pablo Marçal, que ganham tração com discursos anticorrupção que soam eficazes, ainda que simplistas.

Tudo isso compõe um caldo que exige, mais do que nunca, uma comunicação pública firme, coerente e com senso de urgência.

A confiança, uma vez rompida, não se repara com slogans. Ela se reconstrói com verdades ditas na hora certa — especialmente quando doem.

 

O preço do silêncio

O pacto entre governantes e governados se sustenta na confiança. E a confiança nasce da coerência entre o que se faz, o que se fala e o que se enfrenta.

Quando essa coerência falha, não é só um ministério que perde. É a democracia que sangra em descrédito.

Se o governo não recuperar a iniciativa — em discurso, em ação e em posicionamento simbólico — será difícil virar o jogo até 2026. O tempo da comunicação política já não é o tempo das instituições.

E quem ignora esse descompasso, paga caro. Em imagem. Em votos. E em história.

Nilson Hashizumi

Estrategista de marketing político e corporativo, jornalista, fotógrafo, gestor de cultura e preparador de candidatos, grupos e agremiações políticas, com MBA em Comunicação Governamental e Marketing Político. Co-fundador da Alcateia Política, orientou, coordenou e defendeu candidatos majoritários em São Paulo e Pará e candidatos proporcionais em São Paulo e Minas Gerais. Orientado a resultados, trabalha com visão de processos na gestão da comunicação on e off-line para a construção de reputação, imagem e formação de opinião. Atuou por mais de 30 anos na iniciativa privada, organizações da sociedade civil e entidades de classe antes de atuar em favor de entes políticos. https://www.linkedin.com/in/nilsonhashizumi/

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